No dia 8 de julho de 2023, o PET Engenharia Ambiental ofertou um curso para os estudantes da UFOP, com o objetivo de analisar a situação dos córregos urbanos de Ouro Preto. O curso teve como foco demonstrar as técnicas de coleta de amostras em corpos hídricos, a medição dos parâmetros do Índice de Qualidade das Águas (IQA) e o uso dos equipamentos e técnicas adequadas para essa análise. Para isso, foram analisadas as características químicas, físicas e biológicas de acordo com os indicadores do IQA (Oxigênio Dissolvido, Escherichia coli, pH, Demanda Bioquímica de Oxigênio, Temperatura da Água, Nitratos Totais, Fosfatos Totais, Turbidez e Sólidos Totais).
Nesse curso, foram selecionados cinco pontos de amostragem nos seguintes córregos da cidade: córrego do bairro Água Limpa (P1), Córrego da Ponte do Rosário (P2), Córrego do Horto (P3), Córrego do Funil (P4) e o Córrego do Sobreira (P5). Os resultados foram discutidos entre os alunos participantes - em grande maioria graduandos em Engenharia Ambiental e mestrandos do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental (PROAMB) - e também foram questionados sobre a qualidade dos córregos na cidade de Ouro Preto. Além disso, QRCodes que dão acesso aos resultados obtidos serão alocados próximos aos locais de amostragem para que a população de Ouro Preto também possa discutir o assunto.
Neste texto apresentaremos sobre o andamento do curso, o IQA e os resultados obtidos dos córregos analisados.
O que é o Índice de Qualidade das Águas (IQA)
O Índice de Qualidade de Água (IQA) é composto por nove indicadores que visam analisar a depreciação física, química e biológica de águas, principalmente, devido ao lançamento in natura de esgoto sanitário nos corpos hídricos. Cada um dos indicadores possui um peso específico no cálculo do índice, de acordo com sua importância para a qualidade da água. O IQA, portanto, é calculado pelo produto ponderado dos parâmetros que o integram, indicando, assim, o nível de qualidade da água de uma forma ilustrativa que permite inclusive um público leigo entender um pouco sobre a situação das águas dos corpos hídricos. Esses valores podem variar de 0 a 100 sendo que quanto mais próximo de 100 melhor a qualidade da água, como mostrado na Tabela 1.
Tabela 1: Classificação do IQA
Os parâmetros do IQA
O IQA avalia nove parâmetros, que são apresentados na Tabela 2, com seus respectivos pesos, unidades de medida e valores máximos permitidos pela Resolução Conama n° 357/2005.
Tabela 2: Parâmetros do IQA
PARÂMETROS | UNIDADE DE MEDIDA | PESO NO IQA | VALORES MÁXIMOS PERMITIDOS PARA RIOS CLASSE 2 - RESOLUÇÃO CONAMA N° 357/2005 |
OXIGÊNIO DISSOLVIDO | % de saturação | 0,17 | > 5 mg/L O2 |
ESCHERICHIA COLI | NMP/100 mL | 0,15 |
<1.000 E.coli por 100 mL em 80% ou mais de pelo menos seis amostras coletadas durante o período de um ano, com frequência bimestral* |
pH | - | 0,12 | 6,0 a 9,0 |
DEMANDA BIOQUÍMICA DE OXIGÊNIO | mg/L | 0,10 | até 5 mg/L O2 |
TEMPERATURA DA ÁGUA | °C | 0,10 | - |
NITRATOS TOTAIS | mg de Nitrogênio/L | 0,10 | 10,0 mg/L N |
FOSFATOS TOTAIS | mg de Fosfato/L | 0,10 | 10,0 mg/L N |
TURBIDEZ | UNT | 0,08 | 100 UNT |
SÓLIDOS TOTAIS | mg/L | 0,08 | 500 mg/L |
*VMP para coliformes termotolerantes, neste estudo foi utilizado E.coli em substituição aos coliformes termotolerantes.
- Oxigênio Dissolvido
O oxigênio dissolvido (OD) é analisado em termos de porcentagem de saturação de oxigênio presente nos corpos hídricos. É um fator essencial à vida aquática, pois os organismos desses ambientes utilizam o oxigênio dissolvido para respiração, porém as cargas orgânicas das atividades antrópicas tendem a diminuir esse valor. Pode variar de acordo com a temperatura, pressão atmosférica, salinidade e atividade biológica. Sua medição geralmente é feita diretamente no corpo hídrico em campo utilizando um oxímetro.
- Escherichia coli
A E. coli é uma bactéria que habita naturalmente o trato gastrointestinal de animais de sangue quente, inclusive os humanos. Entretanto, mesmo estando presente em nossos organismos, algumas poucas cepas podem causar doenças. Sua presença em altas concentrações em corpos hídricos pode indicar a contaminação por esgoto. A amostra é coletada no corpo hídrico em recipientes esterilizados e levado para o laboratório. Para sua detecção geralmente é utilizada a técnica do Substrato Cromogênico Enzimático (Colilert). Nessa técnica, o substrato sofre alterações com a ação da enzima β-glucoronidase, característica da E.coli., liberando 4-metilumbeliferona que quando submetida a luz ultravioleta apresenta fluorescência, indicando a presença de E.coli.
- pH
O valor de pH de uma substância está relacionado à concentração de íons H+ e OH-. Quanto menor o valor do pH maior a concentração de H+ enquanto o contrário indica uma concentração maior de OH-.O pH desempenha papel importante na saúde da vida aquática sendo que, de acordo com a Resolução CONAMA 357/2005, o pH ideal dos corpos hídricos devem estar entre 6 e 9. Para a determinação desse parâmetro é utilizado um eletrodo de pH previamente calibrado e os dados devem ser coletados em campo diretamente no corpo hídrico.
- Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO)
Esse parâmetro refere-se a quantidade de oxigênio necessária para decompor a matéria orgânica presente no corpo hídrico através da ação de microrganismos aeróbicos. Assim, é uma medida indireta da matéria orgânica que se encontra nos corpos hídricos, muito presente em esgotos sanitários. Uma alta concentração de matéria orgânica pode gerar o desequilíbrio do ecossistema por proliferação excessiva de microrganismos.. A determinação da DBO é feita em laboratório por meio da diferença da concentração de oxigênio em uma amostra antes e depois de um período de incubação de 5 dias a 20°C.
- Temperatura da água
A temperatura superficial do corpo hídrico é um parâmetro importante por apresentar influência direta em diversos outros parâmetros. Além disso, a temperatura também é importante para a vida aquática, podendo valores muito elevados indicarem a presença de efluentes industriais, por exemplo. Ele pode ser medido utilizando um termômetro de imersão parcial ou através de outros equipamentos, como do pH e oxigênio dissolvido, que apresentam sensores de temperatura embutidos.
- Nitratos Totais
Esse parâmetro analisa a concentração de íons nitrato (NO3-) em uma amostra com o objetivo de estimar a quantidade de nitrogênio presente. O nitrogênio em corpos hídricos desequilibra o desenvolvimento de organismos aquáticos, sendo suas principais fontes o esgoto doméstico e fertilizantes utilizados na agricultura. A medição do nitrato geralmente é feita pelo método de redução de cádmio. Esse é um método colorimétrico que converte o nitrato em nitrito. Os nitritos geram uma coloração amarelada que a intensidade é proporcional a quantidade inicial de nitrato. Para ter um resultado menos subjetivo, utiliza-se um espectrômetro com comprimento de onda específico
- Fosfatos Totais
O fosfato desempenha papel essencial nos processos biológicos, o que pode afetar diretamente a qualidade da água. Altas concentrações dessa substância podem levar a eutrofização e proliferação de algas no curso d’água. Para fazer a medição desse parâmetro utiliza-se o método PhosVer 3 - Method Acid AScorbic, que utiliza o reagente Phosver 3 Powder Pillow que, ao reagir com o fosfato, gera uma coloração intensa diretamente proporcional a concentração da substância avaliada. Utiliza-se também um espectrômetro para resultados mais precisos.
- Turbidez
A turbidez representa a redução de transparência de uma amostra aquosa devido a presença de material em suspensão. Esse parâmetro tem influência direta também em outros parâmetros, como o oxigênio dissolvido, podendo ter impacto direto na qualidade da vida aquática e consequentemente da água. Utiliza-se o método nefelométrico, sendo uma técnica indireta. Esse método baseia-se na determinação da intensidade de luz dispersa pela amostra num ângulo de 90° em relação a direção da luz incidente.
- Sólidos Totais
Os sólidos totais representam todas as substâncias presentes na água que não são gases, que podem estar dissolvidas ou em suspensão. Podem ter origem naturais ou antrópicas, sendo um parâmetro essencial para a determinação da presença de contaminantes e potabilidade da água. Utiliza-se o método Standard Methods 2540.B, que emprega a evaporação como forma de separar e quantificar a quantidade de sólidos presentes na amostra. As análises são realizadas em laboratórios e as amostras devem ser armazenadas a 4°C para evitar decomposição microbiológica dos sólidos.
Corregós analisados
A amostragem foi feita em cinco diferentes pontos na sede do município de Ouro Preto-MG, buscando analisar a qualidade da água destes pontos, por meio do IQA, e fazer uma comparação entre eles da qualidade da água. A Figura 1 especifica os locais de coleta das amostras.
Figura 1: Localização dos pontos amostrados no curso Córregos de Ouro
O primeiro ponto (P1) de análise foi no bairro Água Limpa (Figura 2), em um córrego sem nome, que denominamos Córrego da Água Limpa. Esse é um Córrego, que recebe esgoto direto das residências, possui baixa aeração, não possui nenhum fragmento de mata ciliar e tem ao seu redor área urbana.
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O segundo ponto (P2) coletado foi na Ponte do Rosário (Figura 3), sendo um local com um pouco mais de aeração do que o P1, visto que possui algumas pequenas quedas que contribuem para esse fator. Neste ponto também há o despejo de esgoto e tem em sua volta área urbana.
A seguinte coleta (P3) foi feita no Córrego do Horto, em um local próximo à Prefeitura Municipal de Ouro Preto, no bairro Pilar (Figura 4). A aeração neste ponto também é baixa, com despejo de esgoto direto e urbanização ao redor.
A coleta do P4 foi feita no Córrego do Funil, no bairro Barra (Figura 5). O córrego possui um pouco mais de aeração, com relação aos anteriores, devido aos desníveis dentro do rio. Além disso, o Córrego do Funil é o que apresenta maior leito, tem em seu entorno área de urbanização e também recebe esgoto direto.
O quinto e último ponto (P5), foi no Córrego do Sobreira, no bairro Antônio Dias (Figura 6). Nesse local, há pouca aeração e, assim como nos demais pontos, há o despejo de esgoto e área urbana no entorno. Além disso, nesse corrego há a presença significativa de resíduos sólidos, evidenciando um outro tipo de contaminação.
Resultados obtidos no curso
Os resultados dos parâmetros do IQA e outros parâmetros analisados para os cinco pontos, bem como o valor do IQA estão apresentados na Tabela 3.
Tabela 3: Resultado dos parâmetros analisados
Por meio do resultado do IQA determinado, o Córrego da Água Limpa (Ponto 1) e Córrego do Sobreira (Ponto 5) apresentaram categoria "muito ruim" de qualidade da água, enquanto o Córrego da Ponte do Rosário (Ponto 2), o Córrego do Horto (Ponto 3) e o Córrego do Funil (Ponto 4) foram classificados como "ruim", conforme indicado na Tabela 4.
Tabela 4: Resultado do IQA dos Córregos analisados
O Córrego da Água Limpa (P1) apresentou valor de IQA de 19, obtendo o pior nível de qualidade de água entre os cinco pontos analisados. Este valor do IQA foi influenciado, principalmente, pelo alto valor de E.coli (1,18 x 106 NMP/100 mL), de DBO (310 mg/L), pelo baixo valor de OD (1,5 mg/L) e pelo valor de fósforo (4,93 mg/L). De modo semelhante, o Córrego do Sobreira (P5) teve seu nível de qualidade de água influenciado por tais parâmetros. Entretanto, neste ponto foi obtido 3,2 mg/L de OD e uma turbidez mais elevada do que o primeiro (26,8 uT). Com isso, o IQA para o P5 foi de 23. O Córrego da Ponte do Rosário (P2) e o Córrego do Horto (P3) apresentaram o mesmo IQA (26), em que a qualidade da água foi influenciada, especialmente, pela E.coli, DBO e fósforo. O Córrego do Funil (P4), entre os pontos analisados, apresentou um menor valor de E.coli, DBO e fósforo, assim, o IQA obtido foi de 42. Nesse sentido, de um modo geral, os baixos valores do IQA obtidos foram influenciados, especialmente, pelos valores de E.coli, DBO, OD, turbidez e fósforo.
O valor do IQA, portanto, permitiu verificar que os córregos analisados apresentam uma baixa qualidade da água, o que está relacionado com o despejo de esgoto sanitário. A contaminação por esgoto pôde ser evidenciada diante do alto valor de E.coli encontrado para todos os pontos, uma vez que esse é um indicador de contaminação fecal, bem como pelos valores de DBO, que indicam a presença de matéria orgânica nos rios. Além dos parâmetros obtidos que refletem a contaminação por esgoto doméstico de todos os córregos analisados, durante a coleta foi observado o lançamento direto de esgoto nos rios, tanto no P1, como também no P5, pontos que obtiveram a pior classificação do IQA. Também observou-se uma presença significativa de resíduos sólidos no P5, evidenciando outro tipo de contaminação além da fecal. Vale destacar também que a qualidade dos córregos é influenciada pela falta de mata ciliar, baixa aeração e presença de materiais em suspensão.
Considerações finais
A realização do curso pelo PET Ambiental, que teve como objetivo analisar a qualidade das águas de Ouro Preto, proporcionou uma avaliação abrangente dos córregos selecionados através dos parâmetros do Índice de Qualidade das Águas (IQA). Os pontos de coleta escolhidos refletem diferentes condições ambientais e de impacto humano, permitindo uma comparação significativa entre a qualidade da água em cada local.
A partir da análise dos resultados e discussões realizadas no curso, torna-se evidente a importância da adoção de práticas de monitoramento e preservação das águas em Ouro Preto. Medidas de tratamento de esgoto, recuperação de matas ciliares, controle da disposição de resíduos sólidos e ações para reduzir a turbidez e preservar a qualidade da água são essenciais para a conservação desses recursos naturais.
Em síntese, o curso realizado pelo PET Ambiental proporcionou uma pertinente oportunidade de avaliar a qualidade das águas em Ouro Preto e conscientizar os estudantes sobre a importância da preservação dos recursos hídricos. Com os resultados obtidos e a conscientização gerada, espera-se que iniciativas e ações sejam implementadas para a melhoria da qualidade da água e a conservação do meio ambiente, garantindo assim um futuro mais sustentável para a cidade e suas comunidades.
Turma que realizou o curso Córregos de Ouro